Crônica de Bar: Vinho, Vi e Sorvi!
- debarembarra
- 7 de abr. de 2018
- 6 min de leitura
Entre connoisseur, enófilo, enólogo ou sommelier, eu sou apenas amante e só bebo porque é líquido.

Se fosse para chafurdar na realidade e acompanhar os 50 tons de verde e amarelo eu passava o dia tomando café, isso me manteria em alerta para figurar em qualquer protesto.
Eu faço o tipo amante confessa, bebo vinho até de madrugada e na maioria das vezes desperto com uma taça na mão.
Só ele tem o dom de combinar tons que vão do branco quase incolor ao rosé, do escarlate ao bordô (aportuguesado de Bordeaux, capital do vinho francês, e que simboliza o tom de uva viva), e tem sido o único elemento capaz de revirar meus olhos, me deixar zonza e arrancar de mim os melhores sorrisos.
Amantes do vinho não podem nem devem se considerar bebuns, pois isso nada tem a ver com a linguagem ultrassofisticada do vinho, mesmo que a marca que a maioria consuma caia no gargalo do seu perfil econômico e seja pra lá de corriqueira na mesa de um bar.
No bar, os apaixonados ocupam quase que o mesmo quadrante e pela primeira vez fiquei cara a cara com um enólogo. Eu diria que esse não é apenas vidrado, vive do e para o vinho.
Tratei de consultar os neurônios e tive a grata satisfação de verificar que pelo menos dois, apesar de ébrios, ainda estavam dispostos a assimilar algum conteúdo. Então prossegui com a pesquisa de campo. Não em campo de uvas, ali no bar mesmo.
Vamos à análise etimológica, ou melhor, a gramática que trata da história das palavras, através da análise dos elementos que a compõem.
Comprenez-vous? Nem moi.
Mas, vamos lá: o radical eno – significa vinho, que por outro lado vem do radical grego oinos + o sufixo logo que tem a ver com estudo. Então, enólogo é especializado em enologia, ou melhor, no estudo do vinho.
O enólogo soltou o verbo, foi quando descobri, pasma, que a profissão é das mais antigas, remonta ao tempo antes mesmo da escrita. Lá pelos idos de 1876 que a coisa de produzir e comercializar vinho de qualidade ganhou a primeira escola de vinicultura, o que lacrou o termo enologia.
O estudo ganhou todo um conceito científico e tecnológico e a profissão tornou-se uma das mais conceituadas, seja para os que trabalham em produção especial seja os que dão duro na limitada.
Enólogo é o ‘cara’ do vinho. Cuida do cultivo das castas, do sistema de engarrafamento à comercialização, acompanha todos os processos de fabricação e inclusive fica atento à fermentação ideal.
No fundo, tudo passa pelo crivo de um enólogo. É o especialista na fabricação à frente da vinícola, planeja, supervisiona e coordena a produção de vinhos. Seu trabalho é misto de dedicação, paixão, ciência e tecnologia.
O ano de 1912 foi considerado um marco, pois foi o ano de nascimento do pai da enologia moderna, o francês Émile Peynaud – que começou sua carreira bem jovem, aos 16, em Bordeaux, e morreu aos 92 – o que vem provar a tese de que vinho é excelente para a longevidade.
Pois bem, era professor de enologia da universidade da capital, e tornou-se anos mais tarde cientista do vinho e elaborou vasta obra sobre o tema que revolucionou o modo de produção no mundo.
Em 1955, foi exigido o diploma e a profissão de enólogo foi regulamentada na França. No Brasil, o reconhecimento da profissão veio mais tarde, somente em 2007.
Quer ser enólogo? Então, vou descer do salto para te dizer que em vez de encher a cara de vinho, vai ter que metê-la nos estudos. E pode ter certeza de que jamais vai ver uma uva como uma fruta qualquer. Vai ter que saber sua procedência.
E vai funcionar como mola mestra de um ambiente industrial onde há fronteira para o produtor e para o enólogo, que sempre visa além, até mesmo para criar novos vinhos e espumantes.
Além disso, vai ter que ter superior e no mínimo uma pós. O diploma pode ser de bacharel ou tecnólogo. O bacharelado pode ser obtido na Unipampa - Universidade Federal do Pampa, que fica em Dom Pedrito, no RS.
Para ser tecnólogo existem quatro instituições brasileiras, duas no RS, em Bento Gonçalves e Pelotas, uma em SP e outra em PE, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, em Petrolina. E quem é formado em agronomia e biologia, pode fazer pós em enologia que já fica valendo.
Dependendo da instituição, o período varia de 4 a 5 anos, e entre as disciplinas estão: conhecimentos sobre ciência e tecnologia, desde produção, microbiologia, química da bebida e engenharia da adega; compreensão do processo de produção de uvas, e os melhores métodos para cultivo e colheita; e teorias relacionadas à qualidade e aos estilos de vinhos existentes.
E o melhor é que tem mercado, saiba que a profissão de enólogo está em alta no Brasil, mesmo com essa crise que assusta demais quando a gente cai na estupidez de manter-se sóbria.
Ocorre que em vários pontos do país há aumento da produção de vinhos e por outro lado, há carência de cursos autorizados pelo MEC. O que significa que há falta de profissionais com conhecimento técnico na produção de vinhos no país.
Por isso, os enólogos são rapidamente absorvidos pelo mercado de trabalho. E poderão atuar como consultores de bares, restaurantes e importadoras, críticos de vinhos para publicações especializadas, assessores externos, etc.
E os enófilos? – Já sabendo que eno significa vinho, onde entraria o filo, que vem do grego ‘philos’ e que nada tem a ver com philos disso ou daquilo.
Na realidade ‘philos’ – na tradução literal – é amigo, querido. Então, enófilo é um connoisseur – um conhecedor, eu diria que é mais que amigo, é amante, muito embora tenha lá todo um conjunto de regras e tradição de consumo e apreciação do vinho, não precisa de curso, nem diploma, é sua paixão que faz dele um especialista.
E o sommelier? Quer impressionar? Então, aí vai a dica para a pronúncia correta: ‘somêliê’. É um termo francês que tem origem na Idade Média, no século XIII, para classificar os condutores de animais. Um século depois, dava nome às pessoas encarregadas de guardar as provisões das cortes, existia um sommelier de frutas, outro de armas, outro de pães, outro de artes, algo por aí.
Em princípio, o termo substituiu a palavra ‘échanson’ ou ‘escansão’ – que na época dos reis designava o pobre do oficial da corte que provava o vinho para conferir se o líquido estava envenenado.
Enquanto no passado, o escansão tinha a vida curta, principalmente porque na maioria das vezes o vinho continha um amargo veneno, hoje o sommelier tem toda uma formação e é especializado em harmonização. Ele é o responsável por manter absoluta sintonia entre o gosto do cliente, os pratos para cada ocasião, e o tipo de bebida, como vinho, espumante, cerveja ou destilados.
A partir de 1812 o termo sommelier começou a indicar os profissionais especializados em bebidas alcoólicas nos restaurantes. O sommelier exerce funções em bares, restaurantes, distribuidoras, importadoras de bebidas e lojas especializadas.
É também o profissional que trabalha na organização de eventos gastronômicos, hotelaria, supermercados e enotecas. Do mesmo modo, é possível ser o responsável pela gestão do armazenamento, estocagem e conservação de bebidas.

Depois do banho de cultura dentro do bar, a conversa caiu na malha fina dos ‘connoisseur’, a ponto de deixar qualquer um impressionado. Foi quando um deles, do alto de sua terceira taça, contou uma piada sobre sommelier:
Ele disse que um grande personagem chegou ao restaurante francês exigindo um tipo de vinho. Em segundos, veio o sommelier com o pedido, só que em vez da garrafa trouxe o vinho em um decantador – aquele recipiente de vidro de bojo grande e gargalo fino que é próprio para que o cliente inspire o aroma, antes de consumir o precioso líquido.
O homem rechaçou o conteúdo, dizendo que não era o vinho que pediu. O sommelier disse que era, e houve o maior bate-boca. Quando o homem já exausto da discussão disse seu nome e afirmou que foi ele quem fez o vinho.
O sommelier então teve que falar a verdade. Disse que só tinha uma única garrafa do vinho pedido, e o que estava no decantador tinha sido feito na mesma vinícola, ainda acrescentou que havia sido engarrafado em tonéis idênticos, com a mesma atenção e cuidado, a única diferença é que os dois foram produzidos em regiões vizinhas.
Então, o sujeito ilustre chegou bem perto do sommelier e disse algo que deu fim à discussão: “_ Hoje quando você chegar em casa, peça a sua mulher para se despir e ponha seu olfato nos dois orifícios que estiverem em regiões vizinhas e vai entender o que significa essa pequena diferença geográfica”.
Depois da piada, o bar esvaziou. Sabe aquela história de que algumas pessoas são como vinho? Elas ficam absolutamente uniformes com uma rolha na boca.
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