Bastava a gente chegar e ele vinha com tudo. A gente nem precisava pedir. Nem era mais garçom, era o parceiro, o grande amigo. Sua grande marca estava na cara, quer dizer, na grata maneira de nos receber juntando os lábios em um esgar que perdurava até a gente ir embora. Acho que nem sóbrio eu lembro de ter conseguido ver um de seus dentes.
Não tem muito tempo que ele anda sumido, dizem que seu coração o levou a abandonar o barco, melhor dizendo, o bar, onde religiosamente nos reunimos todos os dias, santos ou não. O pior é que a falta dele deixou um vazio. O que é de se estranhar porque nem nosso copo ficava vazio quando ele estava por perto, a todo momento lá vinha ele nos abastecendo.
Mas, não tinha melhor hora para ele cuidar das coisas do coração. Sim, é duro, mas a gente entende, pois é no bar que todo mundo vira mais que amigo, vira irmão, tá certo que diz besteira, joga conversa fora, mas na maioria das vezes o assunto fala de coisas da vida, e invariavelmente tomba, extasiado, para o lado feminino.
Em um desses papos, ele revelou que as coisas não íam lá muito bem com a cara metade. E considerando o corpito da companheira, fica a certeza que ela é mais metade do que cara.
O problema é que nossa mente, já um tanto alterada pelo efeito do álcool, criou um filme romântico, principalmente quando o dono do bar resumiu seu desaparecimento com o aviso: "Ele foi tratar das coisas do coração!". E o plantão de fofocas rapidamente entrou em ação. Todo mundo queria saber quem era a felizarda que arrebatou seu singelo coração.
Mas, por que abandonar todos nós? Há tempos somos seus maiores companheiros. Tá certo que nós homens detestamos perder um parceiro vitalício para um rabo de saia. Mas, a mulherada foi uníssona em solidariedade. _"Ele merece, é um bom camarada, e precisa ser feliz!" - disse uma, e a outra logo emendou: 'Que lindo, o garcom apaixonado!" Se elas estavam certas? Não tenho ideia, mas esse cara vivia para nos servir, e precisava de um doce refresco.
Duas noites atrás, descobrimos que seu coração era tão agitado quanto suas pernas, que não cansavam de correr de um lado a outro do bar. Mas, verdades precisam ser ditas: Ninguém manda no próprio coração! E não é que encontramos sua mulher sentada na mesa do bar, meio cabisbaixa, e nos acercamos para perguntar, discretamente, o que ocorreu.
Uma das meninas usou toda sua sabedoria etílica para explicar como o coração dispara, e mais um monte de abobrinhas sinistras na tentativa de consolar aquela mulher, que entre um gole e outro revelou que o coração dele estava disparando sim, mas de medo, principalmente quando iam ao cardiologista para um exame ou outro.
Foi aí que descobrimos que o coração do amigo sofreu um ataque, do tipo quase fulminante, mas graças aos céus estava se recuperando, depois de um período de repouso e uma bateria de remédios.
O bom é que ele não vai ficar longe da gente, seu coração que quase lhe tirou a vida foi responsável pela sua promoção. O dono já declarou: "_Ele vai abrilhantar o caixa" e vem com algo a mais no coração, alguns stents e uma velha veia meso entupida, meso desbloqueada, mas, felizmente, são e salvo.
O garçom é sim um apaixonado, mas pela cara metade, pelo trabalho, pela vida, pela gente, e vai voltar com um coração ainda mais enorme para seguir alegrando o nosso.
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