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Crônica de Bar : Sabedoria de bar é pura sabedoria popular.

  • Tina Graz
  • 16 de fev. de 2018
  • 4 min de leitura

Dentro de um bar rola um dialeto próprio que possui lá uma intrínseca e rica sabedoria. A ponto de uma frase que soaria indecorosa em qualquer canto do mundo soar ali como um dileto poema.

Em minhas primeiras incursões nesse universo notadamente alcóolico, primeiro pela Olegário Maciel e depois pela esfuziante orla da Barra da Tijuca, surpreendi-me com gente reverenciando um copo como objeto sagrado e outra celebrando um acontecimento que para qualquer mortal seria motivo de preocupação, no mínimo:

“_Assinei minha carta de alforria, finalmente demitida, vambora comemorá!”

Em um dos episódios hilários, lembro que um garçom voou até a mesa de um bêbado que estava aos berros porque uma das coxas da galinha assada que lhe foi servida era visivelmente menor que a outra. O garçom, muito calmo, disse algo que manteve o bebum mudo e ensimesmado:

“_ Fica frio, você está aqui para comer e não para dançar com ela.”

Quanta sabedoria!

Ainda não havia me acostumado ao vozerio reinante no bar que a turma do trabalho elegeu como zona de conforto, pois fica localizado a menos de duas quadras da agência, quando um dos presentes grita em alto e bom tom:

“_ Ninguém se mexe, a piranha da minha mulher acabou de cair!”

Arregalei os olhos principalmente porque ele estava com uma mulher pendurada nas omoplatas. Estiquei o pescoço e fiquei olhando para o chão para ver se conseguiria ajudá-la, pois estava morrendo de dó da coitada. Que homem tapado! Aquilo me revoltou.

Ainda bem que me mantive quieta no meu canto, pois fui alertada por um companheiro de mesa que ficasse calma, que não era bem o que eu estava pensando.

Até que outro gritou: “_Achei a piranha, é cheia de estresse, né? Estava debaixo da cadeira”.

Bastou uma olhadela para conferir que era um desses prendedores de cabelo, e que a tapada era eu, porque eu conhecia apenas como presilha, mas a sabedoria popular genuinamente brasileira já tinha batizado a peça com o nome do peixe devorador, em razão de seus dentes serem grandes em formato de garra e prontos a abocanhar grandes nacos de cabelo.

Houve comoção geral, e o tal que deu o alerta chegou perto do responsável pelo resgate da piranha e deu-lhe um caloroso abraço, do tipo conferido somente aos grandes heróis.

E se recompensa de bar é sempre um copo a mais, esse foi agraciado com uma preciosa Long Neck.

Naquela noite chovia muito e cheguei em casa ensopada, mas de alma lavada. No dia seguinte, qual não foi minha surpresa diante do espelho que de forma fria revelou que meu cabelo, que acompanhei seu crescimento nutrindo-o com produtos daqui e do exterior, estava armado. Não vi alternativa a não ser procurar todos os meios para prendê-lo.

Você já deve ter ouvido que a sabedoria popular já classificou um tipo de cabelo como bandido, aquele que senão está preso está armado.

Enchi-me de coragem e entrei no primeiro shopping e fui direto até a loja de bijus finas, tentando sepultar o nome que ouvi naquele bar, achando que poderia ser até apedrejada no requintado recinto.

Cheguei bem perto da simpática vendedora e perguntei: “_ Você tem presilhas de cabelo?” Ela, gentilmente, pôs a mão em um de meus braços e me conduziu a uma vitrine, onde enfileirados estavam pelo menos uns dez modelos, mas nenhum sequer lembrava a piranha resgatada.

Apenas pensei e se eu dissesse: “_ Ultimamente tenho nutrido alguns desejos estranhos, tem...” Mas, na hora, só saiu: “(quase sussurrando...)

_ Piranha?

Felizmente, não foi um estrago como previ, a vendedora que mantinha os olhos grudados em mim ostentando um malicioso esgar, abriu um sorriso de orelha a orelha, foi até uma gôndola e me trouxe pelo menos umas vinte diferentes, de osso, de madeira, de plástico, muitas com pérolas e strass, foi quando caiu a ficha e entendi o estresse da piranha dentro daquele bar.

Saí da loja com tanta piranha que poderia manter o bandido do meu cabelo preso por pelo menos uns dez anos. E em regime semiaberto – do tipo que fica preso de manhã à noite e só é liberado de madrugada, apenas para dormir.

A sabedoria popular é impressionante nas mesas de um simples boteco. E ensina inclusive a não ter preconceito.

Na sexta de Carnaval, um dos colegas de copo que já havia pedido um farnel para se abastecer no feriadão prolongado superlotou uma das cadeiras com comida para levar, ainda sorridente acabava de contar uma piada sobre sexo e nem sequer respirou e emendou na relação de encomendas, dizendo que queria peru e linguiça, aliás, afirmou que iria se acabar na linguiça.

Aproveitou que o garçom estava ao seu lado e perguntou: “_Você tem sacão?”

O homem ficou algum tempo olhando para ele, depois para mim que devia estar com a cara meio gozada, pois estava a ponto de explodir na risada, até pousar os olhos na montoeira de embalagens, e responder quase que entredentes: “_Vou ver o que posso arrumar.”

Por isso digo que sabedoria de bar é pura sabedoria popular. Aceita que vai doer bem menos.

 
 
 

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